CARTA DE CUIABÁ
Os Corregedores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União, reunidos em Cuiabá, MT, nos dias 25 a 28 de agosto de 1999, por ocasião do XVII Encontro Nacional,
considerando que o conceito de autoridade policial aludido pelo art. 69, da Lei nº 9.099/95, não deve ser interpretado restritivamente;
considerando os princípios da simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, previstos nos artigos 2º e 62, da Lei nº 9.099/95, e considerando que a atuação ministerial, pautada pelos cânones do interesse público, independe da origem do comunicado do ilícito criminal para adoção das providências pertinentes;
concluem pela oportunidade da edição de recomendação aos integrantes do Ministério Público dos Estados e da União, observado o seguinte:
a) o reconhecimento da plena legalidade dos termos circunstanciados lavrados por agentes públicos regularmente investidos nas funções de policiamento;
b) a possibilidade da requisição direta de informações, documentos, diligências, laudos, perícias, etc, quando necessárias à elucidação dos fatos, não importando a origem do correspondente termo circunstanciado;
c) a faculdade de remessa das peças ao juízo comum quando a complexidade ou circunstâncias do caso não permitirem a formulação da denúncia, nos termos do § 2º, art. 77, da Lei 9099/95 .
Cuiabá, MT, 28 de agosto de 1999
O CONCEITO DE AUTORIDADE POLICIAL PARA OS FINS DO ARTIGO 69 DA LEI Nº 9.099/95
ENUNCIADO PROPOSTO
PARA FINS DO ART. 69, DA LEI Nº 9.099, DE 26 DE SETEMBRO DE 1995, CONSIDERA-SE AUTORIDADE
POLICIAL TODO AGENTE PÚBLICO REGULARMENTE INVESTIDO NA FUNÇÃO POLICIAMENTO.
Entre as modificações legislativas ocorridas no país nos últimos cinco anos no campo do direito processual, talvez nenhuma tenha tido maior repercussão do que aquela que transformou o processamento das causas cíveis de menor complexidade e das infrações penais de menor potencial ofensivo a serem apreciadas pelos Juizados Especiais previstos no art. 98, inciso I, da Constituição Federal.
Em 27 de novembro de 1995 entrou em vigor a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, transformando sobremaneira a persecutio criminis para os casos que envolvem as infrações de menor potencial ofensivo, ou seja, os crimes com pena privativa de liberdade máxima não superior a um ano e as contravenções penais, percebendo-se então, de imediato, que as atividades policiais investigatórias sofreram considerável mitigação.
Questões controvertidas a respeito de temas tratados na lei surgiram aos borbotões, provocando longos e acirrados posicionamentos dos especialistas na matéria, exigindo dos tribunais decisões inéditas, face o ineditismo da norma.
Escolheu-se, dentre tantas, uma que, ao que parece mais recente, envolve o significado e o alcance do termo autoridade policial inserido no corpo do art. 69, da supramencionada lei.
Diz a lei, verbis: "A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários".
Com a leitura do dispositivo transcrito, facilmente se percebe o quanto se reduziu o trabalho investigatório da polcia. Abandonou-se o formalismo e as peculiaridades do inquérito policial, adotando-se no seu lugar, para os casos específicos, o simples registro, em termo, das circunstâncias do fato ocorrido. É o bastante.
Mas, segundo a norma inovadora, quem seria esta autoridade policial?
Esta é a questão que agora se busca dirimir.
A Carta da República, no seu art. 144, declina ao Estado o dever de prestar segurança pública, imputando à Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis, Polícias Militares e Corpos de Bombeios Militares aquela incumbência.
Extrai-se então deste dispositivo que todos os integrantes destas instituições estão constitucionalmente legitimados ao exercício das atividades inerentes à segurança pública, nelas incluídas aquelas sujeitas à incidência da Lei n. 9.099/95 e que ensejam a lavratura de termo circunstanciado, no qual apenas se relata a ocorrência de infração penal de menor potencial ofensivo, com o encaminhamento do autor do fato ao Juizado Especial.
Júlio Fabrini Mirabete, apesar de posicionar-se contrariamente, cita conclusões n. 1 da Confederação Nacional do Ministério Público - CONAMP e n. 9 da Comissão Nacional de Interpretação da Lei n. 9.099/95, no seguinte sentido: "... no que diz respeito às infrações penais de menor potencial ofensivo, qualquer agente público que se encontre investido da função policial, ou seja, de poder de polícia, pode lavrar o termo circunstanciado ao tomar conhecimento do fato que, em tese, possa configurar infração penal, incluindo-se aqui não só as polícias federal e civil, com função institucional de polícia judiciária da União e dos Estados, respectivamente (art. 144, § 1º, inciso IV, e § 4º da CF), como às polícias rodoviária federal, polícia ferroviária federal e polícias militares (art. 144, II, III e V, da CF). Embora estas últimas não tenham atribuições para a lavratura do auto de prisão em flagrante de competência da polícia civil e federal, há entendimento de que a lei se refere a todos os órgãos encarregados pela Constituição Federal da defesa da segurança pública, para que exerçam plenamente sua função de restabelecer a ordem e garantir a boa execução da administração, bem como do mandamento constitucional de preservação da ordem pública (art. 5º, § 5º da CF)" (in Juizados Especiais Criminais, Atlas, 1997, pág. 60).
A Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no mesmo rumo, assentou que "Face aos princípios de informalidade, economia processual e celeridade previstos no art. 62, bem como face à desnecessidade de procedimento investigatório, o termo circunstanciado previsto no art. 69 e 77, § 1º, pode ser lavrado pela autoridade policial que tomar conhecimento do fato ou pela Secretaria do Juizado"(Conclusão nº 4).
Também nesse mesmo sentido pronunciou-se a douta Corregedoria-Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina, ao editar o Provimento n. 04/99, esclarecendo "que autoridade, nos termos do art. 69 da Lei n. 9.099/95, é o agente do Poder Público com possibilidade de interferir na vida da pessoa natural, enquanto o qualitativo policial é utilizado para designar o servidor encarregado do policial preventivo ou repressivo" (art. 1º). "Ressalvando o parágrafo único do art. 4º do Código de Processo Penal, a atividade investigatória de outras autoridades administrativas, ex vi do art. 144, parágrafo 5º, da Constituição da República, nada obsta, sob o ângulo correicional, que os Exmos. Srs. Drs. Juízes de Direito ou Substitutos conheçam de 'termos circunstanciados' realizados, cujo trabalho tem também caráter preventivo, visando assegurar ,a ordem pública e impedir a prática de ilícitos penais" (art. 2º).
Já o Superior Tribunal de Justiça, pela Sexta Turma, quando do julgamento do HC 7199/PR, decidiu por unanimidade que ",Nos casos de prática de infração penal de menor potencial ofensivo, a providência prevista no art. 69, da Lei n. 9.099/95, é da competência da autoridade policial, não consubstanciando, todavia ,ilegalidade a circunstância de utilizar o Estado o contingente da Polícia Militar, em face da deficiência dos quadros da Polícia Civil" (DJU de 28.09.98, pág. 00115).
Portanto, há de se concluir que o significado do termo autoridade policial constante do art. 69, da Lei dos Juizados Especiais, não é restritivo, englobando todos os agentes integrantes dos órgãos de segurança pública identificados constitucionalmente (CF, art. 144).
Assim, eminentes Senhores Corregedores-Gerais do Ministério Público, diante das considerações alinhadas, sugiro a edição por este eclético Conselho Nacional do enunciado retro.